A história da blusa de seda indiana. Continue no processo
- haryane santos
- 27 de out. de 2022
- 6 min de leitura

Eu sabia que tinha estragado aquele tecido. A minha mãe sabia que eu tinha estragado aquele tecido. Mas, como eu não tinha sido beneficiada com a Lei da Palmada, tive que fingir que o que costurei era exatamente o que eu queria usar — e assim o fiz durante muito tempo, inclusive na igreja, em aniversários e encontros de família. Se eu não fizesse isso, com certeza iria apanhar.
I – A saga
Minha mãe sempre soube como cultivar amizades longas, especialmente com as clientes dela. Ela tem clientes/amigas de anos. Eu falo "amigas" porque a relação que ela constrói com as clientes sempre passou para o nível da amizade, e eu sempre achei isso impressionante.
Uma dessas clientes/amigas, sabendo que minha mãe sempre gostou de comprar tecidos, trouxe de uma viagem para a Índia alguns tecidos incríveis para fazer vestidos — e deu de presente alguns metros para a minha mãe. Eu fiquei completamente obcecada pelos tecidos, que eram simplesmente deslumbrantes.
Nessa época, minha mãe ainda sofria de uma certa ingenuidade sobre a minha coragem de pegar, cortar e costurar os tecidos dela (bons tempos). Ou seja, eu me aproveitava do descuido da minha mãe e praticava o que hoje eu chamo de “oficina suicida da autoaprendizagem na costura”.
Não pensei duas vezes: escolhi um dos tecidos que a amiga da minha mãe trouxe e cortei uma blusa morcego simples. Na minha cabeça, a estampa do tecido era tão linda que não precisava de tanto detalhe na modelagem. Eu tinha razão em pensar assim, mas o meu problema era querer fazer minhas roupas apenas com a intuição.
A minha preguiça em tirar medidas me traiu. Ou talvez não fosse um problema de preguiça — provavelmente era um combo com a ansiedade de ver tudo pronto.
Eu estava aprendendo de uma maneira nada convencional, e é claro que eu não pensei em detalhe nenhum. Resultado: não dava para usar a blusa porque, depois que eu fiz o acabamento do decote, o buraco era tão grande que passava pelo meu corpo como um saco de batata, e eu não sabia resolver. Além disso, a bainha da blusa estava muito justa e não dava o efeito esperado. Eu até pensei em cortar nos ombros para diminuir o buraco do decote, mas isso mudaria o comprimento da blusa.
Também pensei em franzir o decote, mas eu havia posicionado a estampa para ficar com um design interessante na frente, e franzir faria o detalhe desaparecer. Um pesadelo! A bainha também era impossível de resolver porque não deixei sobra de tecido. Então, a solução era usar daquele jeito, torcendo para não passar por uma ventania e não ficar despida na rua. Além disso, só existia uma maneira de minha mãe não acabar com a minha raça por usar, sem permissão, o tecido dela: só com o sucesso da roupa costurada.
Quando minha mãe chegou, ela logo percebeu que eu tinha mexido nos tecidos dela. Tentei esconder todos os rastros, mas isso nunca foi o meu forte. Por esse motivo, minha mãe encontrou todos os retalhos do tecido no lixo (primeira regra para quem quer esconder rastros: se você vai jogar as provas no lixo, por favor, se livre do lixo. Vai por mim, isso é o básico).
Ela me chamou imediatamente, com um tom de voz muito assustador. Sério, imagina agora que, pelo tom da voz dela, eu pensei que eu apanharia naquele dia. Ela perguntou:— Tu cortaste o meu tecido?
Antes que eu pudesse responder à primeira pergunta, ela engatou a segunda:— Quem te deu autorização?
Antes que eu conseguisse abrir a boca para falar, veio a terceira:— O que tu fizeste com ele?
Eu fiquei em silêncio, imaginando que talvez ela fosse falar mais alguma coisa. Bom, eu estava muito errada.
A quarta pergunta era uma repetição da terceira, com um pouco mais de raiva na voz. Eu respondi que tinha feito uma blusa, e ela imediatamente pediu para ver. Quando trouxe a blusa, ela a examinou inteira e esboçou:— Você estragou esse tecido.
Ela estava errada? Não estava. Eu realmente tinha estragado o tecido? Com toda certeza. Mas a minha resposta foi:— Não estraguei. Ficou exatamente do jeito que eu queria.
Meu Pai do céu, que mentira!
— Se tu não usares essa blusa, tu vais apanhar — palavras da mulher que me colocou no mundo.
E foi assim que a minha saga com a blusa de seda indiana começou. Vocês não fazem ideia de como eu usei essa blusa — e com certeza fazem menos ideia ainda de como eu fiquei feliz quando, por acidente, ela rasgou. Acidente mesmo, juro!
Eu estava no ponto esperando o meu ônibus, o quase nunca visto “Conjunto Maguari”, e por esse motivo, quando ele apareceu no horizonte, levantei bem rápido e o ombro da minha blusa engatou num gancho de ferro parcialmente solto da estrutura do ponto. Entrei no veículo segurando a blusa para não ficar com a teta direita de fora. Foi uma viagem de 1h me equilibrando com a teta na mão e me segurando para não cair no busão lotado. Isso foi há anos, nem lembro quem era o prefeito, mas, só para constar: obrigada — o descaso, nesse caso, me foi útil.
II – A reflexão
Muitos erros que cometi na costura foram, em muitos momentos, por pura preguiça de fazer o certo; em outros, por arrogância de achar que eu sabia fazer aquilo. Mas os principais erros que cometi foram pela pressa de ver o resultado final. Às vezes ainda cometo esses erros em diversas áreas da minha vida porque, embora eu saiba que o caminho correto e seguro para fazer algumas coisas tem a ver, principalmente, com paciência, ainda me aventuro tentando maneiras rápidas de obter realização em coisas das quais ainda não tenho experiência.
Estou cheia de projetos e tentando empreender em áreas que eu tenho familiaridade, mas o empreender em si é novidade para mim. E, embora eu tenha tentado caminhos mais simples de fazer isso, estou aprendendo aos poucos que o processo, às vezes longo, é necessário — e quase sempre inegociável. Não apenas por todo aprendizado que extraímos dele, mas pela vantagem de ver o projeto amadurecer a seu tempo.
Minha natureza é super ansiosa. Quando penso em realizar algo, eu quero ver tudo pronto imediatamente. Por exemplo: quando penso nesse site, esse que você está visitando agora, eu imagino ele cheio de visitantes e pessoas interessadas no que tenho para mostrar. Mas sou traída por um processo que, ao que parece, é natural. O meu site ainda não “bomba” de visitantes, mas continuo investindo nele porque, assim como aprender a costurar, alguns projetos levam tempo para se concretizar.
O meu site ainda não consegue suprir a minha ansiedade, mas me faz recordar que viver o processo é algo que eu já passei e superei (algumas vezes — mas eu te conto mais sobre isso outro dia). Enquanto eu aprendia a costurar, eu tentava a todo custo burlar as “regras” necessárias ao aprendizado — e paguei por isso (a blusa de seda é só a ponta do iceberg). Mas, independente disso, burlando ou não as “regras”, eu cheguei ao meu objetivo. O que me leva a crer que persistir é a chave para chegar a qualquer lugar. Eu consegui aprender a costurar, e agora estou aprendendo a empreender.
Errar aquela blusa me ensinou a conferir todos os aspectos técnicos (as medidas), me ensinou a me preparar para circunstâncias não planejadas (deixar margens de costura dentro da roupa) e me ensinou que cuidado e calma no processo são fundamentais para poupar matéria-prima (a seda especial). Então, que bom que eu, no meu processo lento e longo, tive a oportunidade de aprender algo que é muito útil em meus novos projetos.
Tudo por causa de uma blusa de seda indiana.
III – A lição
Não tenho certeza se eu tenho uma lição concreta para compartilhar. Acredito que, no contexto da história que contei, a lição está em continuar. O meu conselho é: nos momentos de dificuldade, ao invés de se aborrecer, reclamar e jogar tudo para o alto, tente entender quais são as lições disponíveis naquele momento para você. Não desanime se a “blusa de seda indiana” da sua vida não ficou do jeito que você queria. Talvez não era mesmo para ficar boa — provavelmente era só para te ensinar algo que vai ser importante para o projeto brilhante que você vai fazer nascer.
Um beijo grande,
Haryane Santos
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