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A história do vestido verde. Qual o tamanho da sua autoestima?

  • Foto do escritor: haryane santos
    haryane santos
  • 31 de ago. de 2022
  • 7 min de leitura

Atualizado: há 3 dias




Não importava muito o que eu sabia sobre costura ou sobre moda, a cliente simplesmente se achava maravilhosa e queria muito usar aquele vestido.


Parte I - O erro


Começo este texto enfatizando que o tamanho da minha cretinice, naquela época, era enorme! Ainda sou um pouco cretina, mas venho aprendendo com meus erros e acredito que, com um pouco mais de tempo, talvez eu me torne alguém legal (risos).


Eu já morava em São Paulo e começava a ganhar a vida costurando em casa. Aos poucos, começaram a me chamar para fazer umas peças aqui e ali. Primeiro, através de quem eu conhecia e, posteriormente, pela indicação dessas pessoas. Foi o que me sustentou por um tempo.


Uma cliente me indicou para uma jovem senhora que morava perto da minha casa. Ela ia ser madrinha em um casamento e me contratou para fazer o vestido.


Quando a cliente chegou na minha casa, de cara, eu analisei todos os aspectos físicos que seriam pertinentes observar para a execução de qualquer vestido. Vou descrevê-la com o único intuito de que você, leitor(a), entenda o contexto dessa história. Era uma mulher na faixa dos quarenta anos, com no máximo 1,60m, acima do peso, com seios super fartos que apresentavam estrias e certa flacidez, ombros largos, braços grandes, quadril estreito e pernas finas. Fiquei por uns minutos tentando criar mentalmente um vestido para ela, enquanto a ouvia falar sobre o evento.


Quando ela terminou de falar sobre o casamento, eu peguei minha pasta e comecei a desenhar algo que eu considerava adequado ao tipo de evento e às características que observei na cliente. Nesse momento, ela me interrompeu e me mostrou a revista que ela tinha nas mãos, com uma página marcada indicando o modelo que ela queria.


Era a foto de um vestido longo, de lurex, cor de chumbo, super justo, com uma fenda que chegava perto da virilha, um decote quase na altura do umbigo, sem manga e costas quase nuas, usado por ninguém menos do que a Thaís Araújo. A cor era a única coisa para ser diferente, porque, nesse casamento, as madrinhas usariam verde.


Eu quase tive uma parada cardíaca só de pensar em como eu faria para aquele vestido dar certo no corpo daquela senhora. A única coisa que passava pela minha cabeça era a dúvida de como eu sustentaria os peitos daquela mulher dentro de um vestido como esse.


Peguei novamente a minha pasta e pedi que ela me deixasse desenhar um vestido baseado naquele que ela havia me mostrado. Gente, o vestido que eu desenhei para ela era mais discreto do que o que ela queria. Eu não respeitei o desejo dela e desenhei um vestido que, para mim, naquela época, parecia adequado porque escondia tudo o que EU julgava ser imperfeição.


Ela concordou em fazer o vestido que eu desenhei, mas pediu que eu deixasse o decote um pouco mais aberto e que eu incluísse uma fenda lateral. Eu fiz o que ela pediu!


No dia de provar o vestido, ela se olhava no espelho como se estivesse tentando se convencer de alguma coisa. E eu ia falando os pontos positivos da roupa e como eles ajudavam a disfarçar alguns aspectos do corpo dela. Ela ia se virando na frente do espelho e concordando com a cabeça, mas a fisionomia dela não era de felicidade.


Hoje percebo que fui muito cruel tentando convencê-la a usar a minha opção, porque, mesmo com palavras gentis, eu estava falando sobre disfarçar o corpo que ela tinha. Eu não tinha a intenção de ofender, mas sem perceber e com palavras mais brandas, eu estava basicamente dizendo a ela que a aparência dela não era adequada.


No meio da prova, após ter explicado todos os aspectos favoráveis do novo vestido, eu perguntei se agora ela ainda usaria o modelo da revista. A resposta foi a seguinte:

"Não ligo se sou gorda, se não tenho o corpo parecido com o da foto, eu me acho gostosona e eu usaria esse vestido, mas você tem razão, a sua opção é melhor."


Naquele momento, eu me dei conta de que não era sobre mim ou sobre o que eu achava, o vestido tinha que ser do jeito que ela desejava. Foi pretencioso da minha parte querer mudar o desejo dela e ela deveria usar aquele vestido. Foi o que eu fiz, disse que faria todos os ajustes necessários para ficar o mais parecido possível com a foto que ela me passou.

Fiz o vestido que ela queria!


No dia da entrega do vestido, eu vi outro semblante no rosto dela. Ela estava completamente feliz, dava para ver que ela se sentia sexy, bonita, interessante e todos os adjetivos que você conseguir imaginar. Eu, por outro lado, estava em choque, sem conseguir entender absolutamente nada, porque, na minha cabeça, aquela roupa não tinha nada a ver com aquele corpo.


Ao contrário do que eu pensava, quando eu sugeri um novo vestido, ao invés de ajudar, eu estava em um caminho que poderia destruir a autoestima dela. Por sorte, não aconteceu. Após o casamento, eu a vi algumas vezes na rua desfilando com confiança, blusas decotadas, barriga de fora e shorts super curtos.


Meses depois, ela me ligou e pediu que eu fizesse outro vestido, ainda mais extravagante, mas eu me recusei a fazer porque, como eu disse no início, eu apresentava sintomas graves de cretinice. Inventei uma história de viagem e não fiz, mesmo precisando muito do dinheiro, porque eu achava que seria uma péssima propaganda para o meu negócio.


A minha ideia de estilista de sucesso era sobre aquele profissional que não aceita fazer um vestido que ele não julgue apropriado para o cliente, que se julga o dono da razão e acredita com todas as forças que suas críticas ao corpo e aparência de alguém são sempre construtivas.


Eu assumo que estava completamente equivocada!


Parte II - O aprendizado


Anos se passaram, e entendi que não tinha nada de errado com o corpo daquela mulher e que eu não tinha o direito de dissuadi-la a usar outro modelo por causa dos meus preconceitos. Eu estava disposta a encontrá-la e pedir perdão pela minha imaturidade, mas ela não morava mais no mesmo lugar e eu nunca mais a encontrei.


Eu lembrei dessa história porque, ao longo do tempo, eu entendi que somos indivíduos únicos não apenas no aspecto intelectual e psicológico, mas também fisicamente, e essa busca incessante pelo corpo "perfeito" serve apenas para adoecer as nossas mentes e, em alguns casos, os nossos corpos também.


Eu senti isso na pele, porque nos últimos anos eu engordei consideravelmente e, por conta disso, eu não conseguia mais me sentir bonita e atraente. Passei muito tempo pensando em maneiras de voltar a ter um corpo magrinho, o que causou ansiedade e me levava a comer ainda mais. Um ciclo completamente negativo.


Por causa disso, eu ainda parei de costurar roupas novas porque ficava pensando que, quando voltasse a ser magra, eu teria que ajustar tudo. Também não comprava roupas novas, a não ser camisetas largas e calças leggings, porque, na minha cabeça, disfarçavam o meu corpo, nesse tempo que eu acreditava que seria temporário, já que eu planejava voltar a ser magrinha.


Para piorar a situação que não era boa, eu tinha alguns "amigos" que, como eu, acreditavam que beleza tinha tudo a ver com magreza e me deixavam ainda mais ansiosa com o meu corpo, porque eles reforçavam os pensamentos que eu tinha sobre o meu peso, quando faziam comentários do tipo: "você precisa emagrecer", "está ficando feia desse jeito", "essa roupa fica melhor em mulheres magras"...


Então, lembrei da história do vestido verde porque percebi que é raro alguém, no mundo superficial de mídias sociais em que vivemos, ter tanto amor pela própria aparência, especialmente sendo diferente dos padrões impostos atualmente.


Minha intenção era fazer aquela cliente repensar a própria aparência, mas foi ela que me fez repensar meus conceitos. Tento me inspirar nela toda vez que questiono a beleza do meu corpo ou a beleza do corpo de outras pessoas por não estarem em conformidade com os padrões apresentados nas passarelas e mídias sociais.


Como falei no início, eu ainda sou um pouco cretina porque, às vezes, me cobro sobre o meu peso e corpo, mas estou aprendendo e, aos poucos, estou me libertando desses paradigmas tóxicos presentes na nossa sociedade.


Parte III - Conclusão


Bom, eu entendi que invalidar a beleza de alguém por causa de características físicas é um traço de intelectualidade limitada, fútil e superficial. E se você se acha bonita, ninguém deveria dizer o contrário.


Um bom profissional, na minha opinião, entende, em primeiro lugar, que beleza tem a ver com a individualidade e, por isso, não adianta estabelecer padrões.


É claro que todas as áreas possuem estudos, técnicas e conceitos sobre como realizar determinadas tarefas, e isso não é diferente em um ateliê de costura. Bons profissionais da área de costura sabem que modelo de roupa é capaz de disfarçar, camuflar ou deixar invisível aquela característica fora de padrão.


Então, concluo que todas essas técnicas servem para uniformizar os corpos a um padrão.

Seios flácidos não podem parecer flácidos em uma roupa, por quê? Quem disse que pernas grossas devem ser afinadas? Por que pessoas baixas devem usar peças que alongam a silhueta? Por que uma pessoa gorda não deve usar listras horizontais? Qual o problema de usar roupa colada estando acima do peso?


A resposta é apenas uma: se você não se submeter a todas essas regras, você não estará nem perto de se parecer com o padrão de beleza que foi estabelecido. Eu não estou dizendo que isso é errado, só deixo aqui uma reflexão sobre como chegamos ao ponto de estabelecer que traços naturais são considerados inadequados, ao passo que interferências cirúrgicas são consideradas o caminho para obter beleza.


Infelizmente, essa é uma mentalidade tão enraizada em nós que é difícil se desvincular. Eu mesma sou exemplo disso, porque já consegui refletir a respeito desse assunto, mas, às vezes, ainda me pego tentando me enquadrar.


Não tenho a pretensão de trazer uma resposta ou elucidar as suas dúvidas. Meu único objetivo aqui é dividir a reflexão que venho fazendo há um tempo e te dar um conselho baseado no que aprendi com a cliente do vestido verde. Seja feliz e orgulhosa do corpo que tem, porque você é única!


Um grande beijo!


Texto de Haryane Santos

5 Comments


jakelineamorim.ja
Sep 08, 2023

Esse texto reflete muito a cobrança que temos no dia a dia, que temos quer sermos perfeitos numa sociedade que nunca está satisfeita. Quando a gente aprende a amar nosso corpo com cada imperfeição conseguimos aceitar que todas as pessoas são imperfeitas também… podemos sempre tentar melhorar alguma coisa aqui e outra ali, mas sem neuras rsrs

Lindo texto ❤️

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isabelcollares
Sep 03, 2023

Maravilhoso texto!!! Tão você que consegui ouvir sua voz 🤣.

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haryane santos
haryane santos
Sep 03, 2023
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Que bom! Esse blog é um projeto que cultivo com muita sinceridade. Fico muito feliz em saber que você, minha amiga, me reconhece nesse texto.

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suanynunes22
Sep 03, 2023

Nossaaa, que texto maravilhoso..

Me fez refletir tanto, pois tbm já me cobrei muito e ainda me cobro, nunca acho q está bom... Feliz pq temos muito que aprender ainda e hoje aprendi um pouco mais... Te amo e vc tá linda 😍

Não

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haryane santos
haryane santos
Sep 03, 2023
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Aaaahhhhh, Que bom que você leu e gostou! Agora estou me sentindo mais confiante para continuar escrevendo.

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